Para começo de conversa, o que é Saúde Mental?
O termo vem aparecendo cada vez mais e mais no nosso dia a dia. Embora muitas vezes associado à distúrbios mentais, saúde mental é um conceito que engloba muito mais que isso. Segundo a OMS, a saúde mental é parte da saúde no geral, que só existe quando há “completo bem-estar físico, mental e social”. A saúde mental é a capacidade de uma pessoa de realizar suas próprias atividades, conseguir lidar com complicações da vida, ser produtivo em seu trabalho e conseguir contribuir para sua comunidade.
Diferente do que muitas vezes se pensa, saúde mental não é o oposto de transtorno mental ou sua ausência. É claro que um desequilíbrio em algum dos aspectos de sua saúde mental, pode acabar contribuindo para o desenvolvimento de um transtorno mental, caso aconteça frequentemente e não receba tratamento e cuidados adequados.
Mas como já tocamos no assunto...
E se falando de saúde mental, não dá para deixar de falar de transtornos mentais que acabam afetando-a. Eles podem causar mudanças significativas nas emoções, percepções, comportamentos, pensamentos e até no convívio e relações com outras pessoas desse indivíduo que é afetado por algum transtorno.
E quem têm alguma dificuldade em administrar os próprios pensamentos, emoções, comportamento e até o contato com o outro, pode ser mais predisposto a desenvolver um transtorno mental. Mas não é somente isso. Além de fatores mais biológicos como a genética, nutrição e infecções perinatais; o ambiente social, econômico, político, cultural e ambiental também pode contribuir para o desenvolvimento desse tipo de transtorno.
Ok, mas quais transtornos são esses? Fizemos uma lista explicando os mais comuns e o que cada um deles causa em seus portadores. Olha só:
-Depressão: No Brasil, estima-se que 5,8% da população sofre com esse transtorno, sendo a maior taxa dentre o países das Américas. E quando analisamos por gênero, temos que mais mulheres são afetadas do que homens.
As principais características da depressão são a tristeza, sentimentos de culpa, baixo autoestima, perda de prazer ou interesse, alterações no sono e apetite, cansaço e falta de concentração. A depressão pode ser duradoura ou se manifestar recorrentemente, afetando a disposição e capacidade da pessoa de realizar atividades em seu trabalho, escola, universidade, ou até mesmo lidar com seu dia-a-dia. Em casos mais graves, principalmente se não tratada adequadamente, ela pode levar ao suicídio.
-Ansiedade: Muitos se confundem com o termo e se auto diagnosticam “ansiosos”, baseados em fatos isolados, como se sentir ansioso para começar num novo emprego, para viajar de avião pela primeira vez ou até para tomar coragem e se declarar para um crush. Claro que em todos esses casos você possa estar com ansiedade pelo que vai acontecer, ter o coração acelerado, sentir as pernas bambearem, começar a suar, embrulhar o estômago, além de ficar pensando em tudo que vai acontecer, principalmente de forma negativa. Já o transtorno de ansiedade é basicamente sentir tudo isso, só que todo dia.
Realizar atividades corriqueiras deixa de ser algo natural, sair de casa, entregar um projeto em dia, ver pessoas na rua, ir à eventos sociais… Tudo se torna mais difícil de encarar e os sintomas de ansiedade se intensificam. E já dá para imaginar o quanto isso afeta a qualidade de vida de uma pessoa, né? Só no Brasil, 9,3% da população é afetada por esse transtorno, o maior índice mundial.
-Transtorno bipolar: Como o nome já indica, esse tipo de distúrbio é marcado pela alternância de humores da pessoa afetada, que pode apresentar subitamente um episódio de depressão (tendo os mesmos sintomas e comportamentos que explicamos acima) e também episódios de mania/euforia ou hipomania, que envolvem um excesso de atividade, humor elevado ou até irritado, maior comunicatividade, autoestima e autoconfiança infladas e menor necessidade de sono. Transtorno que afeta quase 10 milhões de brasileiros, não tem cura, mas tem tratamento.
-Esquizofrenia: É um tipo de psicose marcado por distorções no pensamento, emoções, percepções, comportamento, linguagem e consciência de si mesmo. Algumas experiências psicóticas comuns são as alucinações, onde a pessoa vê, ouve ou até sente coisas que não são reais, e os delírios, onde a pessoa crê fortemente em algo mesmo quando é comprovado que aquilo não é verdade. Este tipo de transtorno pode dificultar com que a pessoa consiga trabalhar ou estudar normalmente, mas com tratamentos adequados e um processo de ressocialização, ela pode voltar a ter uma vida produtiva e ser inserida no mercado de trabalho.
-Demência: Ao contrário do que muitos acreditam, não é a mesma coisa que loucura. Ela é uma síndrome resultante da deterioração da capacidade intelectual de uma pessoa. Alguns sintomas comuns são a perda da capacidade de memorizar, de aprender, de se comunicar, de fazer julgamentos e de resolver problemas rotineiros. E tudo isso acaba interferindo em relacionamentos, atividades profissionais e sociais.
Também é comum que se confunda a demência com o mal de Alzheimer. Neste vídeo, Drauzio Varella explica didaticamente a diferença entre os dois para que não haja confusão:
De onde vem, para onde vai, que gosto tem?
E por que estamos falando disso agora? Podemos apontar várias possíveis causas para isso. Uma delas, a popularização e maior conhecimento de doenças como depressão, ansiedade e transtorno bipolar. Os quais no passado muitas vezes eram tratados como “frescura”, agora vêm ganhando maior seriedade e procura por seus tratamentos.
Outra hipótese é a do crescimento da influência das redes sociais, que contribuíram para que diferentes pessoas pudessem compartilhar quem são, pelo o que passam, como são suas rotinas. Sim, com o advento das redes sociais, ficou muito mais fácil desabafar de uma forma intimista, mas nem tanto. Muitos se sentem mais à vontade para falar como se sentem, seja por detrás da anonimidade, ou mesmo mostrando sua real identidade, mas sempre com o fator da distância do interlocutor. E foi através das redes sociais que o youtuber Whindersson Nunes revelou sofrer com depressão. Mas falando em redes sociais, nos perguntamos: Seriam elas vilãs ou heroínas da saúde mental? Esse assunto fica para outro post.
Mais uma possível causa é a atenção que a mídia também vem dando à questão. O auge disso foi em 2017, quando a Netflix lançou a série 13 Reasons Why, abordando a questão do bullying e suicídio adolescente. A série levantou questionamentos sobre a responsabilidade social da empresa de streaming quanto à forma que mostrou o suicídio tão abertamente, sem uma recomendação de um contato especializado antes de cada episódio.
Pensando em outras produções recentes que abordam tais transtornos e foram menos polêmicas, temos O lado bom da vida, Cisne Negro, BoJack Horseman, Bates Motel, Jessica Jones, Atypical, Sense8, Please like me, The sinner, entre tantas outras, que vamos abordar melhor em outro post. Ou seja, hoje em dia não falta conteúdo que aborde algum tipo de transtorno mental, seja de uma forma leve e positiva, como também de uma maneira mais realista e pesada. Ainda que o tabu em torno dessas doenças e transtornos ainda exista firme e forte, já estamos falando mais sobre eles, o que já é um passo importante para que o preconceito em relação à eles diminua.
Transtornos mentais, direto do túnel do tempo
Se dizemos que ainda há muito tabu e preconceito em torno desse tipo de transtorno, no passado houve muito mais. Além de um entendimento errado desse tipo de problema, existiam tratamentos muito mais agressivos e ineficazes. Um exemplo disso? É só pensar na ideia que você tem de um manicômio. Parece um lugar feliz em que as pessoas serão bem tratadas e receberão tratamentos não invasivos? Bom, para quem já assistiu o filme brasileiro Bicho de Sete cabeças, o clássico Um estranho no ninho, ou até mesmo a série American Horror Story: Asylum, com certeza essa não é a imagem que se forma em sua cabeça.
Um exemplo real disso? A Colônia de Barbacena, um dos hospitais psiquiátricos mais famosos do Brasil (por motivos bem infames). Estima-se que 30% dos internados neste hospital eram diagnosticados com doença mental. Ou seja, 70% dos demais internados que estavam lá eram pessoas consideradas “indesejadas”: mães solteiras, homossexuais, alcoólatras, negros, mendigos, índios, militantes políticos e etc. Não é por acaso que o lugar é muitas vezes comparado aos campos de concentração nazistas.
Além disso, os métodos de tratamento geralmente incluíam torturas físicas e psicológicas, entre elas o tratamento de choque e a ducha escocesa (equipamento que dispara jatos fortes de água). Sem contar a péssima infraestrutura, uma vez que o local comportava até 200 pessoas e chegou a ter 5 mil. E nisso já dá pra imaginar que não haviam leitos para todos se abrigarem, nem condições básicas de higiene, alimentação e segurança. Em meio à estas condições extremamente precárias, estima-se que 60 mil pessoas morreram dentro da Colônia de Barbacena.
Uma memória triste e chocante da desinformação e descaso com o tratamento de doenças mentais. Infelizmente, a Colônia de Barbacena não foi a única instituição que coleciona esse histórico de barbaridades.
Mas em 1978 esse cenário mudou com o movimento da reforma psiquiátrica, encabeçada pelo italiano Franco Basaglia que visava a aceitação dos doentes mentais pela sociedade ao invés da internação em manicômios. Apesar de, em teoria parecer uma solução mais humana e libertadora, não foi bem assim que funcionou. Muitos hospitais acabaram fechando, diminuiu-se os investimentos na prevenção de tais doenças e o acolhimento da sociedade, bem, não aconteceu como se esperava. Sem contar que muitas das famílias dos portadores desses transtornos não têm condições ou aconselhamento correto para reproduzir os cuidados dos profissionais de saúde em suas casas. Ou seja, o caos continua.
De volta para o presente. O cenário de tratamento de doenças mentais melhorou. Né?
Para se ter uma ideia do problema, existiam no Brasil 120 mil leitos psiquiátricos, com uma população de 80 milhões. Hoje, somos 202 milhões e existem apenas 36 mil leitos. Me parece que tem algo errado nessa conta, não?
Acabar com os manicômios pareceu uma ideia boa e apropriada, mas ela não resolveu o problema. A falta de instituições psiquiátricas dificultam o tratamento destas pessoas que mais uma vez acabam sendo praticamente abandonadas. E aí fica a questão: Que medidas adotar para melhorar esse cenário? Isso rende uma boa discussão dentro do MeSeems, sem dúvidas.